17/04/2005

cansados da noite

Cansados da noite, os teus olhos ainda
estranham quase toda a luz do dia; por
pouco tempo, porém, agora mesmo,
um grande sol cor de rosa sobe num
céu claro de arco íris e
luz em nuvens amarelas embaladas
por um vento verde pálido. É tanta cor,
que as pupilas já não sabem como escurecer
e o corpo freme e brilha no compasso
de cada inspiração. É claro
que não podes levar contigo o dia todo, mas
tomas alguns fios no teu bolso e
lesto tornas à estrada, retemperado

14/04/2005

tanto que não querias

Tanto que não querias entardecer,
tanto que ficavas preso ao dia,
à luz, ao seu olhar;
Vais-te embora agora mesmo,
não era essa a tua casa e
não podias, não podias ficar;
mas os teus olhos vão brancos de sal
e as tuas mãos sozinhas
espasmam-se no ar, pedem ainda
um suspiro nos poros, um
respirar de pássaro nas
breves polpas dos dedos

04/04/2005

duas vezes o sol

Duas vezes o sol; uma
por o ser, outra
por aquela cor quase de sangue;
duas vezes olhá-lo, bebê-lo,
duas vezes

sucedâneo

Se temos que voar cegos
na escuridão imensa do sol nos olhos
seja então com asas de cigarra
e que o vento cheire a oliveira

segredos de ofício

Contra o que se pensa as palavras boas
não são muitas e as que há de tão
usadas ficam gastas e sem brilho.
Quem as quiser com as cintilações antigas
tem que esculpir as sílabas em línguas
do mais puro cristal, fundi-las em cores
claras muito límpidas, retemperá-las
em nascentes de água pura.
Trabalho delicado, esse, só sabido
por poucos dos mais hábeis artesãos

velhos amigos

Fatigadas pelo tempo, regressaram as águas
e houve muitos beijos e gritos infantis
quando as nossas saudades, seguradas
explodiram em luzes e cantares e danças

02/04/2005

alimentos

Das flores as pétalas mais frescas
são para comer - e só depois as nuvens:
Amor e poesia não são actos
simultâneos

húmido

E disseram as sombras, disseram e
estavam molhadas:
A quem dar estas águas, sequiosas de sol?

da verdade

A minha verdade é uma laranja verde
da cor dos teus olhos e da tua idade
tem a forma dos astros, cheira como as ervas
e sabe demais ao teu sabor amargo.

dos sonhos

Era tempo de estio, sonharam com aves
e foram aos montes procurar por asas.
Não é sabido se também voaram
ou se as águias os colheram nos ninhos
para alimento dos recém nascidos.
Porém, nunca mais voltaram.

cegueira

Atravessaste os escolhos
e cegaste; os teus olhos,
lá ficaram, encantados.

nocturno

O rio,
chapinha em ondas
penúmbricas
e mornas
A lua,
ilumina a fosco
contornos
indistintos
Há uma gaivota nocturna,
passando,
num voo lento
de sono
Algures,
uma guitarra antiga,
traz a saudade,
no vento
melancólico.

ego

Satélite na essência,
e ainda assim concêntrico:
Tenho sede.